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Briga por impostos

Governo versus contribuinte: como a reforma tributária pode frear uma disputa trilionária

Empresas brasileiras gastam 1,5 mil horas de trabalho por ano para dar conta da burocracia do pagamento de impostos. E mesmo assim o contencioso tributário no país passa de R$ 5,4 trilhões. (Foto: Pixabay)

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Uma saída para os problemas gerados pelo contencioso tributário – a briga entre contribuintes e governo pelo pagamento de tributos – só deve vir com a reforma tributária, apontam especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. O litígio entre o Estado e os pagadores de impostos, nas esferas administrativa e judicial, envolve pelo menos R$ 5,44 trilhões, ou 75% do PIB brasileiro, segundo dados de 2019 levantados pelo Núcleo de Estudos da Tributação do Insper.

E esses valores podem aumentar ainda mais, caso uma proposta encaminhada pelo Palácio do Planalto ao Congresso seja aprovada. O projeto de lei, enviado em fevereiro, estabelece uma alíquota única de ICMS sobre os combustíveis para todos os estados. "A medida invade a competência dos estados, já que o ICMS é um tributo estadual", diz o professor André Félix Ricotta de Oliveira, do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

"Abriria espaço para questionamentos de estados, e, até mesmo, dos contribuintes, no Supremo Tribunal Federal (STF)", afirma o professor Gustavo Amaral, da Escola de Direito de São Paulo (FGV Direito SP).

O Brasil tem um dos piores sistemas tributários do mundo. A pesquisa Doing Business, realizada anualmente pelo Banco Mundial, mostra que o país ocupa a 184.ª posição, de 190 países, no ranking de facilidade para pagamento de impostos. De acordo com o estudo, cidadãos e empresas que buscam cumprir suas obrigações com o Fisco no Brasil só estão em posição melhor que os da República do Congo, Bolívia, República Centro-Africana, Chade, Venezuela e Somália.

No tempo gasto com o pagamento de impostos, o Brasil é imbatível: são 1.501 horas por ano, pelos cálculos do Doing Business. Quase 50% a mais que o segundo pior país nesse quesito, a Bolívia (1.025 horas por ano). O tempo gasto nessa tarefa no Brasil é cinco vezes a média da América Latina (317 horas por ano) e dez vezes a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE (159 horas por ano).

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“A complexidade tributária dificulta o cumprimento de qualquer tarefa aos seus atores, o que significa dizer que, como contribuinte, eu posso errar; como agente arrecadador, um fiscal pode errar; o juiz que julgará tais erros também poderá errar”, sintetiza Edmundo Medeiros, professor de Direito Tributário da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

O enraizamento da cultura do contencioso tributário traz uma série de consequências às empresas, aponta o professor Gustavo Fossatti, da Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV Direito Rio): elas são obrigadas a direcionar mais esforços para o planejamento tributário, levar em consideração uma série de riscos adicionais e a contingenciar recursos para eventuais pagamentos de pendências tributárias.

Atender à burocracia exige da empresa brasileira um gasto enorme de energia, dinheiro e pessoal em tarefas que não são relacionadas à sua atividade-fim. Recursos que, em países "normais", são direcionados à busca por eficiência, inovação, competitividade.

“As empresas acabam gastando mais com advogados e contadores e, muitas vezes, nem sabem porque estão pagando determinada alíquota”, diz Lorreine Messias, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Tributação do Insper.

Como se vê, nem todo o gasto de tempo e dinheiro para cumprir as obrigações tributárias impede que Estado e contribuinte adotem interpretações divergentes quanto à necessidade de pagar este ou aquele tributo, ou mesmo quanto ao tamanho do imposto devido. O que leva a disputas na esfera administrativa e, depois, na Justiça – consumindo ainda mais recursos, tanto das empresas quanto dos próprios governos.

Medeiros, do Mackenzie, aponta que o principal produto gerado pelo contencioso tributário é a falta de previsibilidade, já que muitas empresas são surpreendidas com exigências de tributos e multas não antevistas quando da formação do preço dos seus produtos e serviços.

Sem uma reforma tributária, os especialistas apontam que os problemas gerados pelo contencioso tributário tendem a aumentar. “A economia digital trouxe muitas dúvidas e estamos trabalhando com uma legislação dos anos 60”, afirma a pesquisadora do Núcleo de Estudos de Tributação do Insper.

Principal saída para reduzir o contencioso é a simplificação

Um dos principais aspectos das principais propostas da reforma tributária que estão em tramitação no Congresso – a PEC 45, na Câmara, e a PEC 110, no Senado – e que tendem a desestimular o contencioso tributário é a simplificação, especialmente para os tributos que incidem sobre o consumo.

“É um caminho a ser perseguido. A simplificação acaba com uma panaceia de tributos”, diz Fossatti, da FGV. “Isto acaba dando mais previsibilidade à economia”, complementa Medeiros.

As duas propostas em tramitação têm em comum a eliminação do IPI, do PIS, da Cofins, do ICMS e do ISS. A PEC 110 vai além, propondo a extinção de IOF, Cide-Combustíveis, salário-educação e Pasep.

O professor do Mackenzie avalia que a PEC 110 prevê maior simplificação, mas ela não seria tão grande em comparação à proposta pela PEC 45.

“A Cide-Combustíveis incide sobre um pequeno nicho da atividade empresarial, o Pasep (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público) é similar ao PIS, mas destinado aos funcionários públicos, e o IOF não atinge a rotina da maior parte do empresariado, tendo em vista sua incidência sobre operações financeiras específicas [compra e venda de moeda estrangeira, ações e títulos públicos, seguro e crédito].”

Única proposta do governo até agora, fusão de PIS e Cofins também mira simplificação

O ministro da Economia, Paulo Guedes, havia prometido mandar a proposta de reforma tributária do governo em quatro etapas. Mas, até agora, só enviou a primeira fase: a unificação de PIS/Pasep e Cofins em uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota única para a grande maioria dos contribuintes.

Em julho de 2020, época do envio da proposta ao Congresso, a equipe econômica explicou que a opção por PIS/Pasep e Cofins tem relação com a complexidade desses tributos. A legislação que versa sobre ambos tem mais de 2 mil páginas, com regimes diferenciados para cada setor e tributos incidindo sobre a folha, a receita e a importação, gerando um emaranhado de normas.

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